A Inteligência Artificial já é fundamental para o funcionamento da advocacia brasileira

O cotidiano jurídico brasileiro é atravessado por uma onda de automação que continua a ganhar força. A expressão inteligência artificial no Direito não é mais retórica de seminário. Ela pauta decisões estratégicas, reorganiza departamentos contenciosos e alimenta plataformas que prometem escala inigualável.

Estimativa recente projeta que o mercado global de tecnologia jurídica atingirá cerca de trinta e três bilhões de dólares em 2025, perspectiva que ilustra a aceleração vertiginosa do investimento no setor [1]. Em paralelo, o Conselho Nacional de Justiça aponta a existência de oitenta e quatro milhões de processos em tramitação no país, contingente que desafia qualquer estrutura exclusivamente humana [2]. Nesse contexto, a adoção de sistemas algorítmicos deixa de ser simples conveniência operacional para se tornar pré-requisito de sobrevivência competitiva.

A crescente superioridade técnica das máquinas ainda não alcançou sua forma definitiva, porém os sinais são inequívocos. Em tarefas de classificação de documentos, detecção de cláusulas de risco e análise de padrões jurisprudenciais, a inteligência artificial já supera o desempenho humano em velocidade e consistência. Plataformas de linguagem treinadas em corpora jurídicos produzem esboços de contratos em minutos, reduzindo jornadas que se estendiam por horas. As métricas internas de produtividade apresentam saltos que variam de vinte a quarenta por cento em escritórios que consolidaram fluxos de automação (dizem). Este ritmo demonstra que humanos se tornarão obsoletos para a execução de várias tarefas rotineiras, restando ao profissional a curadoria estratégica e a interlocução com clientes sobre riscos e narrativas (até quando nem isso mais for necessário).

O avanço, porém, não ocorre sem debate. Há incerteza natural quando algoritmos assumem funções tradicionalmente ligadas ao raciocínio jurídico. Entre especialistas, a lembrança histórica do ludismo surge como advertência: o ludismo foi uma reação de tecelões ingleses do início do século dezenove, conhecidos como luditas, que destruíam máquinas de tear por temer perda de renda. Hoje a inquietação se repete em linguagem digital. A diferença crucial está no grau de sofisticação: sistemas de inteligência artificial operam em camadas invisíveis de aprendizagem profunda, oferecendo resultados que muitas vezes parecem indecifráveis mesmo para programadores. A comunidade jurídica reconhece que a tecnologia se encontra ainda em desenvolvimento veloz e intenso e, por isso, muda muito em pouco tempo.

As estatísticas brasileiras ilustram a amplitude do fenômeno. A Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs registra a existência de centenas de empresas dedicadas a soluções jurídicas baseadas em IA, distribuídas em categorias que vão do monitoramento de processos à resolução de disputas pela via on-line [3]. Essas startups pressionam instituições tradicionais a revisar práticas. A Resolução 332 do Conselho Nacional de Justiça, aprovada em 2020, impõe diretrizes de transparência e auditabilidade para qualquer sistema de inteligência artificial usado nos tribunais [4]. Em 2025, novo ato normativo reforçou tais parâmetros, exigindo explicabilidade de modelos e relatórios periódicos de impacto [5]. Esses marcos evidenciam que o legislador desloca o eixo de atenção: do “pode ou não pode usar IA” para “como usar IA de forma ética, mensurável e segura”.

Em meio a esse cenário, as potencialidades são vastas. Ferramentas de jurimetria desenham mapas estatísticos capazes de prever, com desvios calculados, a chance de determinado pedido ser acolhido em certo tribunal. Softwares de visão computacional exploram provas digitais e catalogam evidências em escalas que seriam impraticáveis manualmente. Chatbots jurídicos atendem cidadãos em regime integral, oferecendo roteiros iniciais de petições ou orientações sobre prazos. Essa infraestrutura tecnológica é incrível não apenas pela economia de recursos, mas pelo potencial de democratizar o acesso à Justiça em regiões onde a assistência profissional é escassa.

Tudo indica que o futuro da advocacia exigirá fluência algorítmica. Departamentos jurídicos internos investem em laboratórios de dados para avaliar riscos regulatórios em tempo real. Escritórios boutique, antes limitados pelo tamanho da equipe, agora absorvem volumes expressivos de demandas graças a processos automatizados de triagem. As faculdades de Direito começam a incluir módulos de ciência de dados e ética da IA, preparando graduandos para interagir com ferramentas que já dominam a retaguarda documental das cortes.

Ao observar a trajetória desde os teares mecânicos até os modelos de linguagem de larga escala, percebe-se que a história rima, mas não se repete. Os luditas lutavam contra engrenagens visíveis; hoje a disputa se dá no plano estatístico. Se a automação do passado redefiniu os papéis da manufatura, a automação contemporânea remodela a produção de conhecimento jurídico. Perderá espaço quem ignorar a mudança. Ganhará relevância quem conseguir aliar interpretação normativa à leitura crítica dos outputs que as máquinas oferecem.

Eu acabo imaginando a sala de audiências vazia enquanto milhares de páginas correm pelo reconhecimento óptico em servidores do outro lado da cidade, com um advogado acompanhando esse fluxo, acordando cedo para consultar o algoritmo antes do café, querendo escolher onde vale investir raciocínio humano. A discussão sobre retorno ao passado não faz sentido porque o passado terminou agora. A inteligência artificial no Direito escreve nas margens de cada petição em tempo real e convida a profissão a decidir se assina ou não a nova ordem do dia.

Referências

[1] Fortune Business Insights. Legal Technology Market Size, Share & Growth Report 2032. Disponível em: https://www.fortunebusinessinsights.com/legal-technology-market-109527. Acesso em 16 jul. 2025.

[2] Conselho Nacional de Justiça. Com 84 milhões de processos em tramitação, Judiciário trabalha com produtividade crescente. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/com-84-milhoes-de-processos-em-tramitacao-judiciario-trabalha-com-produtividade-crescente/. Acesso em 16 jul. 2025.

[3] Wikipedia. Legaltech. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Legaltech. Acesso em 16 jul. 2025.

[4] Conselho Nacional de Justiça. Resolução CNJ 332 de 21 de agosto de 2020. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3429. Acesso em 16 jul. 2025.

[5] Conselho Nacional de Justiça. CNJ aprova resolução regulamentando o uso da IA no Poder Judiciário. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/cnj-aprova-resolucao-regulamentando-o-uso-da-ia-no-poder-judiciario/. Acesso em 16 jul. 2025.

Advogado imobiliarista com profundo interesse pelo mercado imobiliário e pelos efeitos auditáveis do sistema jurídico na vida das pessoas.

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